terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A TROCA E A TAREFA

Eu tinha 9 anos quando a gente se encontrou: o Ciúme e eu
    Era verão. Eu dormia no mesmo quarto que a minha irmã. A janela estava aberta.
    De repente, sem nem saber direito se eu estava acordada ou dormindo, eu senti dirietinho que ele estava ali: entre a cama da minha irmã e a minha. A noite não tinha lua nem tinha estrela; e quando eu fui estender o braço pra acender a luz, ele não quis:
      "Me deixa assim no escuro"
      Que medo que me deu.
       Senti ele chegando cada vez mais perto. Fui me encolhendo.
       "Pega minha irmã", eu falei. "Ali, ó, na outra cama. Eu sou pequena e ela já fez 14 anos, pega ela! Ela é bonita e eu sou feia; o meu pai, a minha mãe, a minha tia, todo mundo prefere ela: por que você não prefere também?"
        Mas o Ciúme não queria saber da minha irmã, e eu já estava tão espremida no canto ( a minha cama era contra a parede ) que não tinha mais pra onde fugir, então eu pedia e pedia de novo:
        "Ela é a primeira da turma e eu tenho horror de estudar; olha, ela tá logo aí; e ela sabe dançar, o meu pai tá ensinando inglês e francês pra ela e diz que pra mim não vale a pena porque eu não presto atenção; então você pensa que eu não vejo o jeito que o meu pai olha pra ela quando todo mundo diz que encanto de moça que é a sua filha mais velha? pega, pega, PEGA ela!"
         "Não. Eu quero é você."
          E o Ciúme disse aquilo com uma voz tão calma que eu fui me acalmando. E o medo meio que foi passando.
         "Bom" , eu acabei suspirando, "pelo menos tem alguém que gosta mais de mim do que dela."
          E aí o vento do mar entrou pela janela, soprou no Ciúme e apagou ele feito vela.
  

      Fui crescendo. E cada ano que passava o Ciúme aparecia mais vezes pra me ver. Eu não precisava nem olhar: de repente eu sentia que ele estava lá. E bastava ele chegar perto pra eu começar a sentir um peso dentro de mim. Feito coisa que eu carregava uma pedra no peito. O peso só aliviava quando o Ciúme ia embora. Mas cada vez ele demorava mais. Acabou morando lá em casa.
          Aí eu quis me mudar.
          Mas eu ainda ia fazer 13 anos: onde é que eu ia morar?
          Resolvi ir pra um colégio interno.
          A minha mãe não gostou da ideia: "vai custar muito caro".
          Mas o meu pai achou ótimo: "lá ela vai aprender a estudar direito feito a irmã dela". (Ah que depressa que o Ciúme apareceu quando o meu pai falou assim.)
          E eu fui pro intervalo. Fiquei vivendo separada da minha família, só ia em casa nas férias.
         Lá no colégio o Ciúme aparecia pouco; era nas férias que ele não me largava: quando eu voltava pra casa e encontrava todo mundo fascinado pela minha irmã.


         Um dia ( era férias ) em frente da nossa casa veio morar um rapaz chamado Omar.
         Eu ficava horas na janela esperando ele chegar. Pra ver ele aquele pouquinho só: chegando, tirando a chave do bolso e entrando.
        Quando eu soube que o nome dele era Omar eu fui pro quarto e escrevi uma poesia chamada O mar.
         Foi a primeira coisa que eu escrevi. Aquela poesia pro Omar. E eu me senti tão feliz.
           Eu nunca tinha me sentido assim feliz; fiquei pensando que era por causa do Omar (nem pensei que podia ser por causa da poesia).
            E quando eu vi, as férias já tinham acabado. De tanto que o tempo passou depressa comigo lá na janela esperando o Omar chegar; parar na porta; procurar a chave; entrar. E no dia seguinte esperar de novo o Omar chegar. Pra namorar ele mais um pouco só de olhar.
            No dia que as féria acabaram, na hora do Omar pegar a chave pra entrar, ele se virou e olhou pra janela. E ficou muito, muito tempo olhando.
           Mas não era pra minha janela: era pra outra: a da sala: onde estava a minha irmã.


         Lá no colégio eu não tinha mais tempo pra nada, nem pra estudar, nem pra fazer dever, eu não tinha mais tempo nem pra ver o Ciúme, de tanto que eu passava o meu tempo só pensando no Omar.
         Mas era tão bom pensa no Omar como eu gostava de pensar, que eu nunca pensei nele como eu não queria pensar, quer dizer, olhando pra outra janela.
         Um dia chegou uma carta da minha mãe assim: 
        "...da mesma maneira que eu dei uma festa pra festeja os 15 anos da tua irmã, agora eu quero comemorar os teus 15 anos. Mas desta vez a festa vais ser dupla: a tua irmã ficou noiva, e então eu quero festajar junto as duas grandes datas. Já avisei à diretora que você vai sair no sábado de manhã."
         Foi só ler a notícia do noivado que eu pensei na outra janela, e o Ciúme apareceu logo: e se o noivo fosse o Omar?
         Fiquei doia pra chegar logo em casa e saber de tudo. Mas ao mesmo tempo eu tinha tanto medo de saber, que comecei a querer um pretexto pra não ir: quem sabe eu ficava doente?
        Mas a curiosidade foi mais forte, e eram três e meia da tarde quando eu entrei em casa.
       Que bonito que estava tudo, quanta rosa, quanto cravo enfeitando cada canto, é só fechar o olho que o perfume ainda chega aqui; e tinha uma agitação que só vendo, a minha mãe, o meu pai, mimha irmã, todo mundo se arrumandl, se enfeitando que nem a casa.
       "Anda, menina, anda!" (era a minha mãe dizendo, "vai tirar esse uniforme, o teu vestido já está passado em cima da cama, olha que daqui a pouco os convidados já estão chegando."
        A mesa na sala de jantar estava de toalha bordada (a toalha que minha vó tinha bordado pro casamento da minha mãe), e quando doce,quanta coisa gostosa, e que lindo que era o bolo com as velas que eu ia soprar.
        Eu andava devagar pela casa, olhando pra tudo em volta, mas só pensava uma coisa: é o Omar? É ele? É como ele que ela vai casar?
        Mas em vez de pergunta eu não perguntava. Só pra continua esperando que o noivo que ia chegar fosso outro, qualquer outro! Mas não o Omar.
       Foi chegando gente.
       Família.
       Amigo.
       Presente.
       E a sala ja estava cheia quando o Omar chegou.
       Eu e minha irmã vimos ele entrando na mesma hora. Ela correu. Eu me escondi. Pra ninguém ver que eu estava vendo: o jeito que eles se olhavam, se davam a mão, se abraçavam, o jeito igualzinho que eu tinha pensado tantas vezes que ele ia me abraçar.
       Nem precisei olhar pra ver: era o Ciúme que estava outra vez do meu lado, me dizendo, no ouvido, não vou mais te larga.
       Que vontade de chorar.
       Peguei a vontade e virei ela num soprão: apaguei as 15 velas de uma vez.
       Tocaram música.
       O Omar me pegou pra dançar. Falando comigo feito eu fosse criança.
       Que vontade de gritar.
       A minha irmã estava tão feliz que nunca ela tinha sido assim tão bonita; e ainda por cima era ela que tinha feito o bolo dos meus 15 anos e que delícia! Todo mundo dizia na hora de provar.
       Ah. Que vontade de morrer.
       Já tinha ficado de noite, a fezta estava animada, todo mundo dançando, até o meu pai, tão sério sempre. Corri pro quarto. Me tranquei. Queria matar a vontade de chorar, de gritar, de morrer. Nem acendi a luz. E nem deu tempo de correr pra cama: o choro saiu ali mesmo, de cara encostada na porta; o grito saiu lá mesmo, e a música abafou; pulei a janela e corri pro mar.
         Lá na praia tinha pouca estrela, barulho manso de onda e a lua era quarto minguante. Tirei o sapato e fui pela areia. Já ia entrando no mar. Mas senti medo. Dei pra trás. Me deitei na areia e fiquei lá tanto tempo que acabei dormindo.
         Sonhei um sonho que mudou minha vida.

6 comentários:

  1. Esse conto é lindo, mas o final é esse mesmo??

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  2. tem mais historia: "Era um sonho muito bonito, todo acontecido em azul; tinha azul pra qualquer gosto, do mais fraquinho ao mais forte.
    Eu estava lá mesmo, deitada na praia. E era de madrugada.
    Na minha frente tinha uma parede tapando o mar.
    Vi duas janelas na parede. Me levantei para ir olhar. Numa estava escrito A TROCA; na outra, A TAREFA. Uma estava fechada; espiei pelo vidro fosco, mas não enxerguei nada do outro lado. Bati no vidro, bati, bati com força. Mas só ouvi o barulho do mar.
    Fui pra outra janela. Também fechada. E o vidro também: não me deixando ver o outro lado. Bati.
    - Que é?
    Até me espantei de ouvir a voz perguntando.
    - Abre - eu respondi.- Eu quero ver do outro lado.
    A janela continuou fechada. Mas a voz falou:
    - Eu te livro desse amor, desse peso.
    - O quê?
    - Esse amor que você está sofrendo, essa vontade que você está sentindo de morrer: eu te livro disso.
    - De que jeito?!
    - Quando a história estiver pronta você vai ver.
    - História? Que história?
    A voz falou mais baixo:
    - Escreve a história dessa dor e eu te livro dela. É uma troca: eu te prometo.
    - O quê?
    É muita coisa para escrever mas resumindo ela transformou tudo em história, teve esse sonho dnv w e ela morreu

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  3. Era um sonho muito bonito, todo acontecimento em azul; tinha azul pra qualquer gosto, do mais fraquinho ao mais forte.
    Eu estava lá mesmo, deitada na praia. E era de madrugada.
    Na minha frente tinha uma parede taoando o mar.
    Vi duas janelas na parede. Me levantei para ir olhar. Numa estava escrito A TROCA; na outra, A TAREFA. Uma estava fechada; espiei pelo vidro fosco mas não enxerguei nada do outro lado. Bati no vidro, bati, bati com força. Mas só ouvi o barulho do mar.
    Fui pra outra janela. Também fechada. E o vidro também: não me deixando ver do outro lado. Bati.
    - Que é?
    Até me espantei de ouvir a voz perguntando.
    - Abre - eu respondi - Eu quero ver do outro lado.
    A janela continuou fechada. Mas a voz falou:
    - Eu te livro desse amor, desse peso.
    - O quê?
    - Esse amor que você está sofrendo, essa vontade que você está sentindo de morrer: eu te livro disso.
    - De que jeito?!
    - Quando a historia estiver pronta você vai ver.
    - História? que história?
    A voz falou mais baixo:
    - Escreve a história dessa dor e eu te livro dela. E uma troca: eu te prometo.
    - O quê? fala mais alto, eu quase que só escuto o mar.
    - O mar. Lembra da poesia que você escreveu?
    - Foi tão bom!
    Aí a voz se confundiu com o barulho do mar. Eu acordei. A noite já ia virando dia; o céu era meio vermelho e a parai estava muito bonita . Dentro de mim tinha uma curiosidade nascendo: será que eu ia consegui fazer uma historia da dor que eu estava sentindo?
    Voltei pro intervalo.
    Cada hora de recreio, cada domingo inteiro, cada hora-de fazer- dever eu escrevia a historia da minha vontade de morrer. E fui achando tão difícil de fazer, que, em vez de senti vontade de morrer, eu só pensava como é que se fazia a história de uma vontade de morrer; em vez de senti a dor do amor, eu só sentia a força que eu fazia pra contar a dor.
    Então, quando um dia a historia ficou pronta, a vontade de morrer tinha sumido; o amor pelo Omar também: no lugar deles agora só tinha a história deles.
    Fiz que nem na poesia: transformei o Omar no mar. Um mar tão bom de olhar. E inventei uma ilha pra botar nele: uma ilha pra eu ir lá morar: de praia fininha, onde o mar chegava a toda hora. E fui inventando uma porção de coisas pra acontecer na ilha.
    A história ficou tão grande. Foi o meu primeiro livro. Se chamou " Do outro lado da ilha".

    Minha irmã tinha se casado. Mas a minha mãe, o meu pai, todo mundo não parava de falar nela; e se eu fazia alguma bobagem tinha sempre alguém me dizendo: tua irmã não faz assim. Bastava isso e pronto: o Ciúme já aparecia outra vez.
    Então um dia eu pensei: quem sabe a troca que eu sonhei no sonho serve pro Ciúme também? E resolvi transforma o Ciúme em historia. Só pra ver se acontecia a mesma coisa: se fazendo a história do Ciúme eu me livraria dele e só ficava com a história .
    O Omar eu tinha transformado em mar.
    E o Ciúme? no que que eu ia virar?
    Eu achava ele tão feio. Resolvi virar ele numa coisa pra gostar de olhar. Transformei ele num pássaro lindo! bem grande; de peito amarelo e de penacho vermelho na cabeça. E pra ele não poder mais entrar na minha vida eu prendi ele numa gaiola.
    Tudo que o Ciúme tinha feito eu sofrer eu transformei em aventuras que aconteciam com aquele pássaro.
    Quando um dia eu cheguei no fim da história, a troca tinha acontecido de novo: no lugar do Ciúme eu agora tinha um livro. Um livro que eu chamei " A gaiola".
    Achei tão bom poder transformar o que eu sentia em história, que eu resolvi que era assim que eu queria viver: transformando. Foi por isso que eu me virei em escritora.

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  4. Os anos foram passando. E eu não parei mais de transformar: tinha me acostumando com aquilo.
    Levantava (levanto cedo), tomara café (com leite), escovava os dentes (já pensando o que que eu ia escrever), fechava a porta (não sei transformar de porta aberta) e começava: pegava a lembrança de uma amiga de infância que eu nunca mais tinha visto, imaginava a vida que ela tinha levado, virada ela num personagem principal; pegava o quarto de um hotel em que eu tinha tido aos 10 anos de ser astronauta e transformava ela numa viagem espacial em 200 páginas; pegava a saudade da minha mãe que tinha morrido (ela se chamava Violeta) e transforma a saudade num buquê que o herói do meu último livro ia dar pra namorada.
    Fui me sentindo tão poderosa de poder transformar tudo assim!
    Quando acabava um livro, mal descansar: já começava outro. Eu não queria mais descansar: eu só queria ficar assim: virando, escrevendo: aqui: na minha mesa de trabalho. Cada ano que passava eu ficava mais e mais horas aqui.

    Eu conheço essa mesa mais que qualquer outra coisa.
    Cada pedacinho dela.
    Sei de cor onde a madeira é mais clara, mais escura; se tem racha,arranhão, se tem mancha, de olhos fechados eu boto o meu dedo em cima: é aqui!
    Tudo tem lugar certo na minha mesa, o papel, o lápis, o apontador, a borracha.Não sei transformar com máquina, só sei virar á mão: apagando, riscando, sentindo o cheiro do lápis (na hora de fazer ponta, então!).
    A lâmpada também: está sempre no mesmo lugar. Bem aqui do meu lado esquerdo. E eu me habituei ficar tantas horas nessa mesa, que a lâmpada ficava muito, muito tempo acesa.
    Um dia eu dei pra transformar coisa curta: transformava uma dor em vírgula; virava um alívio em ponto de exclamação; transformava uma esperança em interrogação.
    Gostei. Me senti meio feiticeira.
    Escrevi 26 livros.
    Mas quando eu estava escrevendo o último capítulo do meu vigésimo sétimo livro, o sonho voltou!! O mesmo. O mesmo sonho que eu tinha tido na noite dos meus 15 anos. Todo sonhado em azul.
    Começava igualzinho: eu estava deitada na praia; e o azul da areia era esbranquiçado. A parede na minha frente também: esbranquiçada; tapando o mar. E na parede as duas janelas: A TROCA e A TAREFA escritas em azul bem forte.
    Me levantei. Sabendo que uma janela já tinha me respondido, mas a outra ainda não. Eu queria a resposta!
    Bati com força no vidro, e a janela se escancarou: na minha frente estava o mar! Toda vida; azul-turquesa e de calmaria.
    No peitoril da janela tinha um bilhete azul clarinho: dizendo assim:
    " No dia que você acabar a tarefa a tua vida acaba também."
    Tarefa? Que tarefa, eu pensei. E virei o papel.
    Feito me respondendo, o bilhete dizia assim do outro lado:
    "A tarefa está desenhada na areia; na parte da areia que fica mais junto do mar."
    Pulei a janela. E logo ali, entre o mar e a praia, bem junto de onde a onda chegava, tarefa estava toda desenhada.
    Tinha 27 livros desenhados na areia.
    Eu fui andando.
    Olhando pra cada desenho
    Reconhecendo cada um dos meus livros.
    Lembrando de cada história. De cada personagem. Sentindo saudade de fazer cada um.
    Fui passando por todos até chegar ao último livro.
    Cada um dos 27 tinha sido desenhado na areia chegando sempre mais um pouco pra perto do mar.
    O último ficou tão perto, que quando a onda vinha bater na praia apagava um pouco dele.


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  5. Me ajoelhei na areia, querendo riscar de novo o pedaço qua a água tinha desmanchado.
    Mas a onda veio de novo e apagou.
    Meu dedo riscou outra vez.
    A onda desmanchou.
    O dedo desenhou.
    O mar apagou.
    E eu comecei a sentir medo. Um medo que eu nunca tinha sentido. E aí eu ouvi a mesma voz que tinha me falado da troca. A voz me disse assim:
    "Cada um tem uma tarefa na vida. A tua é escreve 27 livros. Na hora que você botar o ponto final no vigésimo sétimo livro, a tua tarefa vai estar acabada e a tua vida vai termina."
    E me repetiu o aviso, e me repetiu de novo.
    Tapei o ouvido não querendo escutar mais.
    Ficou de noite, o azul de tudo tão marinho! E eu acordei (tinha dormido aqui mesmo na mesa, debruçada no último capítulo do meu 27°, livro).
    Olhei pro papel; e agora? Da mesma maneira que tinha sido verdade o aviso da tarefa.
    Empurrei o papel.
    Lápis, borracha, empurrei tudo pra lá: era só não acabar o 27°. Livro que a minha tarefa não se acabava e a minha vida também não.
    Apaguei a lâmpada.
    Não transformei mais nada.
    Mais nada.
    Nada.

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